domingo, 17 de abril de 2016

RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES DO I ENCONTRO DE CRÍTICA E TRADUÇÃO DO EXÍLIO



TRADUZINDO O CONTO “WE’RE NOT JEWS”, DE HANIF KUREISHI: UMA PERSPECTIVA POÉTICA E MIGRANTE.

Marcondes Silva[1] (POSTRAD – UnB)

Este texto tem por objetivo explanar brevemente o processo de formação do projeto de tradução do conto “We’re not Jews”, do escritor britânico Hanif Kureishi. Com essa meta, o autor e o conto serão introduzidos, assim como uma perspectiva poética para a tradução e a migração como um paradigma teórico para a leitura e a tradução do conto.
O autor do conto, Hanif Kureishi, nasceu em Bromley, Londres, em 1954. Ele é o primeiro filho do casamento entre Rufiushan Kureishi e Audrey Buss. Rufiushan nasceu na Índia, em uma família muçulmana que se mudou para o Paquistão após sua formação. Audrey nasceu e cresceu na mesma vizinhança que morou após casar, em Bromley. Kureishi é, assim, um filho de um imigrante indiano/paquistanês e uma mulher inglesa.


Figura 1: Foto do autor em 2013.

A identidade múltipla toma papel fundamental em seu trabalho. Apesar de não ser um tema abordado em toda a sua produção, é um dos eixos fundamentais de sua produção. Está presente nos filmes “My beautiful laundrette” (1985) e “My son, the fanatic”(1997), nos romances “The Buddha of suburbia” (1991) e “My ear at his heart” (2004) e em três dos contos da coletânea “Love in a blue time” (1997), dentre os quais se encontra o conto “We’re not Jews”.


Figura 2: Capa do livro "Love in a blue time" 



Em entrevista ao The Guardian (01/2014), Kureishi afirma:
 (...) By the age of 14, I'm a Pakistani kid who likes Jimi Hendrix, takes drugs and wants sex. How do you make a book out of this? You have to invent a style and a world. It was a new kind of English realism.
(...) So what I had to do, was uncover who I really was. You saw that a lot in the 70s: blacks, gays, women. It all came out of EP Thompson [The Making of the English Working Class] and the idea that ordinary people have their own history.

[(...)Aos 14, eu sou um garoto paquistanês que gosta de Jimi Hendrix, toma drogas e quer sexo. Como você faz um livro disso? Você tem que inventar um estilo e um mundo. Era um novo tipo de realismo inglês.
 (...) Então, o que eu tive que fazer foi revelar quem eu realmente era. Você via muita coisa nos anos 70: negros, gays, mulheres. Tudo veio de EP Thompsom [A formação da classe operária inglesa] e a ideia que pessoas comuns têm sua própria história.]

O conto em questão relata o que seria um momento comum no dia de Azhar e sua mãe:  a ida da escola pra casa. Azhar é uma criança, filho de pai paquistanês e mãe inglesa. Ele sofre Bullying na escola, é xingado pelos colegas, em especial Little Billy, com expressões racistas e sua mãe denuncia o caso à escola. Azhar e sua mãe encontram Little Billy e seu pai no ônibus a caminho de casa, no qual são agredidos verbalmente pelo pai de Little Billy.
No conto, são intercalados os tempos verbais past simple e past perfect. Há o relato desse caminho e a interposição de memórias anteriores aos acontecimentos. A sintaxe das agressões sofridas é constantemente pausada por essas memórias que, à guisa de apostos, dão algum grau de complexidade aos personagens e às suas vidas. Esse tempo-memória é reforçado pela pequena quantidade de falas dos personagens, se comparada ao texto narrado.
Para a tradução do conto, os aspectos acima mencionados são levados em conta, assim como a análise e crítica da leitura do texto se fundamentam nos aspectos poéticos da escrita de si e seu caráter heterogêneo da migração, e orientam o processo de tradução.  O conceito de tradução foi extraído dos trabalhos de Antoine Berman, em A tradução e a letra ou O albergue do longínquo (2013), e Ezra Pound, nos livros ABC da literatura (2013) e Literary essays (1968). Ambos os teóricos propõem uma teoria tradutória na qual a tradução é o estabelecimento de encontro e relação com o outro. O primeiro, em A tradução e a letra ou O albergue do longínquo (2013), apresenta a tradução como tradução da letra. Isto é, na tradução a estrutura do original é aparente. O texto traduzido traz a luz o estrangeiro respeitando suas peculiaridades e é, portanto, estranho na recepção. No segundo teórico, a tradução tem dupla função: é uma tarefa de leitura e, portanto, um meio para entender a literatura e um meio para renovar e expandir a literatura de um país. É, assim, fundamental que a tradução traga em si os aspectos do original que são inovadores em relação à língua e à literatura da recepção.
Nessa tarefa de leitura e entendimento do caráter do texto migrante a ser traduzido, tomamos o conceito de mestiçagem de Laplantine e Nouss quando dizem:
A mestiçagem procede ao deslocamento que se tinha por categorial, mesmo categórico, pondo em questão princípios, nomeadamente o princípio da identidade. Para lá da garantia de uma filiação entendida como apropriação, ela está empenhada nos riscos de alianças que farão surgir o inédito. (LAPLANTINE & NOUSS, s/d: p.85)

Na citação alguns elementos tomam destaque fundamental no entendimento da poética mestiça. O categorial no conto em questão se relaciona diretamente com a nacionalidade dos personagens. Há a categoria inglesa e a paquistanesa. Às duas categorias são agregadas características físicas, como a cor da pele; linguísticas e, principalmente culturais, como o modo que vivem e a culinária. Em relação a essas categorias, são estabelecidas as identidades, que presunçosamente se afirmam portadoras de nacionalidade, e os limites entre a identidade nacional e a estrangeira, gerando pertencimentos e exclusões.
O mestiço coloca essas categorias em risco. A mestiçagem se divide em dois processos distintos, mas que podem ser complementares. O primeiro, ocorre na filiação e é previsível. O filho mestiço carrega traços biológicos desse processo. O segundo processo é a aliança, imprevisível. Na aliança[2], á a tensão que estabelece contado entre duas categorias e que produz novas categorias, ou identidades, eliminando o a possibilidade de uma identidade homogênea e regular, mas a contínua produção de heterogeneidades. A formação do mestiço interage com essas categorias agregando alguns aspectos e refutando outros. Assim, sua identidade não gera pertencimento às categorias, mas a transgressão das mesmas.
Como melhor traduzir o conto? A resposta ainda parece difusa, mas as perspectivas acerca da tradução dos dois teóricos apontados e o processo de mestiçagem são fundamentais à formação de um projeto que respeite a singularidade do conto a ser traduzido.

Bibliografia:

BERMAN, Antoine. A tradução e a letra ou o albergue do longínquo. Tradução de:
Marie-Hélène C. Torres, Mauri Furlan, Andreia Guerini. Florianópolis: PGET/UFSC, 2013.
CASTRO, Viveiro de, Eduardo. Metafísicas canibais. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
KUREISHI, Hanif. We’re not Jews. In: Love in a blue time. Londres: Faber & Faber, 1997.
LAPLANTINE, François & NOUSS, Alexis. A mestiçagem. Tradução de Ana Cristina Leonardo. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.
POUND, Ezra. Literary Essays of Ezra Pound. Nova Iorque: New Directions, 1968.
__________. ABC da literatura. Tradução de José Paulo Paes e Augusto de Campos. São Paulo: Cultrix, 2013.
The Guardian. Hanif Kureishi interview: Every 10 years you become someone else. Disponível em:<http://www.theguardian.com/books/2014/jan/19/hanif-kureishi-interview-last-word>. Dezenove de janeiro de 2014. Último acesso em: 25/02/2016.


[1] Mestrando no Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução na Universidade de Brasília, sob a orientação de Alice Maria Araújo Ferreira. Estudante-pesquisador do grupo de pesquisa Poéticas do devir.
[2] “Na ordem do extensivo, a filiação se reveste de um caráter a posteriori, “administrativo e hierárquico”, ao passo que a aliança, que nesta ordem é primeira, é “política e econômica” .  Citações internas:  (DELEUZE e GUATTARI, 1972, apud CASTRO, 2015, p.143) Citação do trecho:(CASTRO, 2015. P. 143)

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