LITERATURA, HISTÓRIA E MEMÓRIA:
O SUJEITO BRASILEIRO NA DITADURA CIVIL MILITAR NO
BRASIL
Laleska Daniely
Silva de LIMA (G/UFG)
Orientadora: Profa. Dra. Tarsilla
Couto de BRITO (D/UFG)
“Eu não sabia nada de mim, como vim ao
mundo, de onde eu tinha vindo. A origem, as origens. Meu passado, de alguma
forma, palpitando na vida dos meus antepassados, nada disso eu sabia [...] Anos
depois, desconfiei: um dos gêmeos era meu pai”. (Milton Hatoum, Dois Irmãos,
p.73)
Esta pesquisa, apresentada no I Encontro de Crítica e Tradução do
Exílio, teve como objetivo apresentar dados bibliográficos acerca de
obras literárias, especificamente romances, de 1964 a 2015, que foram
lançadas no Brasil e têm como elemento contextual a ditadura civil-militar no
mesmo. Os livros apresentados foram:
Feliz Ano
Velho (1982) - Marcelo Rubens Paiva.
Verdes
Anos (1984) -
Luiz Fernando Emediato.
Bar Don
Juan
(1971) – Antônio Callado.
Quarup (1967) - Antônio Callado.
Reflexos
do Baile (1977) – Antônio Callado.
Sempreviva (1981) –
Antônio Callado.
Zero, de
Loyola Brandão (lançado em 1974, na Itália, em 1975 no Brasil, mas proibido no
ano seguinte até 1979).
Em Câmara Lenta (1977) -
Renato Tapajós.
A Festa (1976) -
Ivan Ângelo.
Incidente
em Antares (1971) - Érico Veríssimo.
O que é
isso, companheiro? (1979) - Fernando Gabeira.
Pessach,
a travessia (1967) - Carlos Heitor Cony.
Onde
andará Dulce Veiga? (1990) - Caio Fernando Abreu.
Dois
Irmãos (2000) - Milton Hatoum.
Cinzas do
Norte (2006) - Milton Hatoum.
Os
bêbados e os sonâmbulos (1996) - Bernardo Carvalho.
K. (2011) -
Bernardo Kucinski.
Apartamento
34 (2012) -
Sergio Haddad.
Essa lista se trata de um levantamento
bibliográfico que mostrasse todas as obras produzidas no Brasil acerca do
cenário de ditadura, para justificar a escolha de um romance que falasse sobre
esse momento histórico de forma a ilustrar e nos fazer pensar o que era ser
brasileiro naquele contexto, e não um que fosse panfletário, apenas documental,
que expusesse. Assim, o olhar da escolha do romance refere-se à memória, qual o
lugar do cidadão brasileiro diante do que estava acontecendo, o que era
refletido no seu cotidiano e em quais proporções aparecia, se era em primeiro,
segundo ou terceiro plano.
Para que a escolha do livro respondesse a
essas questões, esse estudo foi fundamentado, também, nas concepções de
história e memória do historiador Jacques Le Goff, membro da Escola dos
Annales. O qual diz-nos que a história
exprime três conceitos diferentes:
·
"Esta procura das ações realizadas
pelos homens" (Heródoto) que se esforça por se constituir em ciência, a
ciência histórica.
·
"O objeto de procura é o que os
homens realizaram. Como diz Paul Veyne, "a história é quer uma série de
acontecimentos, quer a narração desta série de acontecimentos".
·
"A história como narração. Uma história
é uma narração, verdadeira ou falsa, com base na "realidade
histórica" ou puramente imaginária – pode ser uma narração histórica ou
uma fábula."
Além disso, Jacques Le Goff diz-nos que
memória é a propriedade de manter algumas informações, propriedade essa
referente a um conjunto de funções psíquicas que, por intermédio delas, o
indivíduo atualiza impressões e informações do passado, ou reinterpreta como
passadas. Portanto, a memória social aborda, fundamentalmente, os problemas do
tempo e da história. Partindo dessas conceituações, o historiador difere
memória e história, sendo a história o que representa fatos distantes, e a
memória o que age no que já foi vivido. Mas, mesmo sendo diferentes são
essenciais, pois a história resgata o passado do ponto de vista social, e a
memória reflete a coletividade, algo que foi apreendido de lembranças ou
repassado, mas que pertencem a um grupo,
por isso memória coletiva.
Outra distinção de história e memória é
que a história trabalha com um acontecimento da e para a sociedade, diferente
de memória que equipara-se no que reflete no indivíduo, quais situações sociais
e históricas foram marcantes, formam-no. Sustentado nisso, o procurar uma obra
literária brasileira que fosse romance, precisa abranger e perceber esses
pontos conceituais importantíssimos para o reconhecimento de um "eu
histórico", marcado ou não pela ditadura civil militar no Brasil, pois
esse período teve a sua importância, mas qual foi, pontualmente, percebido na
literatura? Essa é uma das questões que norteiam esta pesquisa e que levou na
escolha da obra Dois Irmãos, de Milton Hatoum, publicada em 2000.
O romance narra a vida de uma família
libanesa em Manaus, onde os conflitos entre os irmãos gemêos Yaqub e Omar são
narrados por Nael, filho de Domingas, empregada da casa. O foco narrativo são
os dois irmãos, mas o que faz a narrativa ser altamente memorial é o fato de
Nael querer descobrir o seu papel naquele lugar, qual dos gêmeos seria seu pai.
E ele faz isso através de flashbacks, narrando seu passado para reconstruir a
história da família libanesa que possivelmente era a sua.
Dessa forma, Nael, durante a narrativa,
questiona e enumera diversos acontecimentos na procura de se reconhecer naquele
ambiente, que também foi marcado pela implantação da ditadura no estado de
Manaus, o projeto de modernização, a prostituição, as desigualdades sociais,
sendo não só um romance que narra as desavenças de dois irmãos, mas o que marca
a vivência deles e a maneira como o narrador construiu essa perspectiva de mudança
no convívio da família e no convívio social.
Portanto, foram e são esses os pontos
que norteiam essa pesquisa, que não desassocia o homem do seu momento
histórico, mas que além de aproximá-lo faz com que reflita e procure o seu
lugar em episódios de tensão, tanto familiar como factuais, memoriais.
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