domingo, 17 de abril de 2016

RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES DO I ENCONTRO DE CRÍTICA E TRADUÇÃO DO EXÍLIO



TRADUZIR BOLOS DO “DICIONÁRIO DE FOLCLORE BRASILEIRO” DE CÂMARA CASCUDO: UMA ABORDAGEM ETNOTERMINOLÓGICA.

Maria Cândida Figueiredo Moura[1] (Postrad – UnB)

         Definir o conceito de cultura é certamente um desafio, diversos aspectos devem ser avaliados ao afirmar se algo é cultura ou não, se existem múltiplas culturas ou se esta é uma multiplicidade. Uma reflexão sobre esse assunto torna-se fundamental para que possamos nos compreender e, também, o grupo no qual estamos inseridos. Esse compreender-se passa por uma relação com o outro. Dentre os diversos aspectos relacionados a esse conceito, alguns são mais comumente lembrados, como a dança, a música, a literatura e a culinária.
     No Brasil, Luís da Câmara Cascudo, um grande folclorista, retratou em sua obra essas caracterizações culturais que nos permite definir uma cultura, a qual já foi e é utilizada por diversos pesquisadores do tema. Nascido em Natal, Rio Grande do Norte, além de se dedicar ao estudo do folclore brasileiro, foi também historiador, antropólogo, jornalista e advogado, tendo, inclusive, lecionado direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
     As obras mais relevantes de Câmara Cascudo, como é mais conhecido, em relação aos estudos etnográficos e antropológicos são: Geografia dos mitos brasileiros (1947), Rede de dormir (1959), História da alimentação no Brasil (1967), e claro, aquele que será nosso objeto de estudo: O Dicionário do folclore brasileiro (1954).
     O Dicionário do folclore brasileiro, trata-se de um compilado de informações etno-históricas brasileiras, não se limitando a algumas regiões, mas contemplando os quatro cantos do país. Câmara Cascudo conseguiu compilar nesta obra, diversas entradas que elucidam mitos, danças, tradições e outras manifestações folclóricas então desconhecidas de grande parte da população.
      O material está estruturado em forma de um dicionário, ou seja, com entradas organizadas por ordem alfabética contendo informações/ definições/ descrições que compõem o verbete. O que se destaca nesta obra em particular, é o fato de que suas referências e bibliografias, diferentemente do habitual, aparecem no corpo do verbete, o que torna a descrição mais apurada, bem como poupa o leitor de frequentes remissões ao término do livro.


Capa do dicionário do folclore brasileiro, 12ª edição. Global Editora

      Este tipo de abordagem, chamada etnoterminográfica, se destaca, pois exige conhecimentos diversos e apresenta informações históricas, etnográficas, antropológicas e linguísticas dos termos. Segundo Barbosa (2006), para a construção de uma obra etnoterminográfica “é preciso estar familiarizado com as histórias, conhecer o pensamento e o sistema de valores da cultura em questão, para poder compreendê-los bem. De fato, é outra linguagem, que é preciso aprender, para interpretá-los corretamente.”
       Vale destacar que este processo, apesar de parecer simplório à primeira vista, de fato não é, pois existe sempre a possibilidade de expressar opiniões pessoais, desmerecendo, ou pelo contrário, supervalorizando, determinado povo ou tradição.
     Nosso trabalho propõe traduzir alguns artigos etnoterminológicos para o inglês, francês e espanhol. Nossa problemática consiste em pensar um processo de tradução que não apague a abordagem etno-histórica que orienta o dicionário.
        Esta relação que ocorre na tradução entre o “eu” e o “outro” é muitas vezes conflituosa, de modo que saber diferenciar o que é natural para o autor e o que não é para os outros é uma indagação que deve fazer parte do ritual de busca de um pensamento coletivo. Entender que na tradução etnográfica um dos objetivos é descrever o “eu” para apresenta-lo ao outro, passa, também por nos questionar sobre o que é ou não natural e comum para nós.


Exemplo de verbete do dicionário.

       Este pensamento etnográfico orientará nosso projeto de tradução. Considerando o amplo material informativo disposto no Dicionário do folclore brasileiro, propomos uma seleção dos termos que serão traduzidos a partir da metodologia de Corpus e também de um critério temático.
    O trabalho passa, então, pela discussão de conceitos como os de: etnografia, identidade e mestiçagem, através de leituras de autores como Viveiros de Castro, Laplantine e Lévi-Strauss. A discussão nos permite pensar a elaboração de uma versão das entradas selecionadas para o inglês, o francês e o espanhol.
    Por se tratar de uma obra extensa, optamos por realizar as traduções de entradas relacionadas à culinária. Dentro desta área maior, foi feito um levantamento dos termos relacionados a esse assunto e na compilação encontramos 196 termos. Em meio a estes foram selecionadas 18 entradas para serem traduzidas, todas referentes a bolos.
Tabela com os termos relacionados à culinária encontrados no dicionário

     Sabemos que tratar destes conceitos de cultura e identidade costuma ser um tanto desafiador, porém ao tratar de folclore torna-se quase impossível não dialogar sobre o assunto. Para tal, buscaremos sempre não reduzir ou simplificar para realizar as descrições, especialmente no momento das traduções onde boa parte do empenho está em nos traduzir para o outro, para que desta maneira um não falante do português possa compreender um pouco mais sobre nossa culinária que é notoriamente diversificada e complexa.
    Por fim, vale destacar que quebrar a ideia do universalismo e buscar o estranhamento é parte fundamental desta pesquisa. Faz parte do processo de tradução tentar nos compreender para que assim possamos nos traduzir para este outro que nos desconhece.

Referências bibliográficas

BARBOSA, M. A., Para uma etno-terminologia: recortes epistemológicos. In: Ciência e cultura. São Paulo, v 58, nº 2, 2006.

CAMARA CASCUDO, L., Dicionário do Folclore Brasileiro, São Paulo, Global Editora, 2012.

CASTRO, VIVEIROS DE, Metafísicas canibais, Cosac-Naify, São Paulo, 2009.

CASTRO, VIVEIROS DE, Xamanismo transversal: Lévi-Strauss e a cosmopolítica amazônica. In: QUEIROZ, R. de C.; NOBRE, R. F. (Org.). Lévi-Strauss: leituras brasileiras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008a. p. 79-124.

LAPLANTINE, F., La description ethnographique. Paris: Armand Colin, Coll. « 128 », 2005.

LEVI-STRAUSS, C., O cru e o cozido. (Mitológicas v.1) Título original: Le cru et le cuit (Mythologiques I) Tradução: Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac-Naify, 2010.

SOUZA, A. M. de. O uso do dicionário em sala de aula. In: III Jornada Nacional de Linguística e Filologia da Língua Portuguesa. Rio Branco, 2009.


[1] Mestranda no programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília, sob a orientação de Alice Maria de Araújo Ferreira. Estudante-pesquisadora do Grupo Tradução Etnográfica e Poéticas do Devir. 

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