domingo, 17 de abril de 2016

RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES DO I ENCONTRO DE CRÍTICA E TRADUÇÃO DO EXÍLIO



PARA UMA CRÍTICA E TRADUÇÃO QUE CONSIDEREM AS POÉTICAS DO DEVIR: TRADUZINDO CONTOS DE EDWIDGE DANTICAT

Tathiana Gonzaga de Lacerda Abreu[1] (PIBIC – UnB)

Edwidge Danticat é uma escritora Haitiana nascida em Port-au-Prince que, aos 12 anos, imigra para o Brooklyn (Nova York). A partir de então, Danticat utiliza-se da escrita literária como refúgio do deslocamento que sentia. Teve sua primeira publicação em inglês aos 14 anos, intitulada "A Haitian-American Christmas: Cremace and Creole Theatre” [Um Natal Haitiano-Americano: Cremace e Teatro Crioulo], e aos 25 anos publicou seu primeiro livro “Breath, Eyes, Memory” [Respiração, Olhos, Memória]. Por ter, em grande parte de suas publicações, a temática do Haiti como um dos pontos focais, Danticat chegou a ser rotulada pela crítica norte-americana como “a voz literária do Haiti”. Porém, a autora acredita que ser tida como a voz do Haiti silencia a multiplicidade de vozes e trajetórias haitianas e generaliza a sua escrita, que, na verdade, reflete a singularidade de suas preocupações tanto enquanto haitiana, mas também como imigrante e estadunidense, já que a autora tem os EUA como seu local de residência desde os 12 anos de idade. É possível também perceber nessa ênfase que a crítica dá em sua origem haitiana, um intuito de separar Danticat dos autores cânones norte-americanos e exotiza-la, colocando-a em um local mais bem estabelecido, distanciado e confortável. A autora desafia essas críticas e mostra em sua escrita toda a complexidade do local “entre” no qual ela se encontra.
   











 Edwidge Danticat

Os contos escolhidos para serem traduzidos são “Night Women” [Mulheres da Noite], que conta a história de uma prostituta que divide o quarto com seu filho ao mesmo tempo que tenta proteger sua inocência, e “New York Day Women” [Mulheres do Dia de Nova York], que acompanha uma mulher que segue sua mãe pelas ruas de Nova York e reflete sobre como o comportamento dela, que normalmente é o de uma senhora haitiana tradicional, se modifica quando ela não está na presença da filha. Ambos os contos fazem parte da coletânea intitulada Krik?Krak! (1994).
A abordagem escolhida procura contemplar a poética de Edwidge Danticat, considerando sua escrita como uma expressão singular (inserida em um contexto, mas não definida exclusivamente por ele), enquanto a metodologia do trabalho situa-se na estreita relação entre teoria/prática em que os problemas práticos desdobram-se em questões teóricas. Nesse sentido, o fazer tradutório é chave para um pensar sobre que desafie as categorias já existentes e enxergue além do rótulo Pós-Colonial para um lugar que considere também as preocupações de autores contemporâneos de migração, como é o caso da Haitiana. É desejável que uma nova visão crítica considere também que esses lugares não são estáticos, e que, portanto, traga em si a ideia de movimento, de dinâmica, de devir.
Em uma escrita como a de Danticat, onde as marcas no discurso não são tão evidentes, é necessário esforçar-se, primeiramente para percebe-las e, então, para traduzi-las. As evocações ao Haiti acontecem de forma integrada a história e residem em detalhes sutis. É o que acontece no conto “Night Women”, onde a personagem narradora sempre menciona a cidade de Ville Rose (cidade haitiana fictícia, que ficaria perto de Port-au-Prince), a cidade também é mencionada no conto “New York Day Women” [Mulheres do Dia de Nova York] como a cidade onde a família da história residia antes de imigrar para os Estados Unidos. Ainda em um esforço de perceber marcas específicas em seu discurso para poder então preserva-las ao máximo na tradução, também é possível perceber a repetição de alguns campos lexicais semelhantes: palavras como ghost, spirit, heaven, angel e soul [fantasma, espirito, paraíso, anjo e alma] são presentes em “Night Women”, indicando um vínculo espiritual que perdura no conto. Também é possível perceber que a personagem, que é prostituta, refere-se aos seus clientes como suitors (que pode ser traduzido como pretendentes) talvez em uma tentativa de romantização de sua profissão, usando essas formas mais suaves como fuga da realidade em função de preservar a inocência de seu filho, e, em certa medida, dela própria.
(Tradução apresentada dia 28/01 em Goiânia-GO).


Também foi possível perceber em vários momentos separações rítmicas e grafias não usuais ao longo do texto, como, por exemplo, palavras separadas no meio por hífen. Essas palavras separadas por hífen aparecem em ambos os contos e nas falas de diferentes personagens. Em “Night Women” fica clara a dupla conotação que ocorre ao separar a palavra Sun-day, já que, no inglês, essa separação gera duas palavras com sentido próprio. Porém na tradução, a mesma separação não transpõe esse duplo sentido imediato, o que representa uma questão a ser resolvida. Em outros momentos onde a separação acontece a dupla conotação é menos clara, como em mo-ther ou occasion-ally, sendo possível também se tratar de uma separação rítmica que emule uma pronúncia oral mais pausada dessas palavras. De qualquer forma, a intenção aqui é manter essas separações na tradução com o intuito de instigar a mesma curiosidade e percepção de estranheza que foram obtidas no original. 
(Tradução apresentada dia 28/01 em Goiânia-GO)


Procura-se subverter os paradigmas estabelecidos pelos discursos teóricos da tradução apoiados em um pensamento dicotômico (partida/chegada; conteúdo/expressão; original/tradução; letra/espírito; identidade/alteridade; e etc.) para enxergar a tradução como encontro (entre-lugares) e não como passagem ou transporte. Nesse sentido é pertinente lembrar que a prática tradutória sempre foi contemporânea do desenvolvimento social e geopolítico (Meschonnic, 2010), o que nos motiva a pensar seu fazer no atual período histórico (pós-independências, de migração, globalizado) frente a discursos literários e teóricos descentrados (Said, 2007). Com relação a Danticat também nos ajuda a noção de escrita paratópica (Maingueneau, 2006) caracterizando uma escrita que, ao mesmo tempo que a distancia daqueles que tiveram a experiência do Pós-Guerra, a aproxima de novos dilemas e incertezas sobre pertencimento e identidade.
Por último, essas questões podem ser discutidas, inclusive no âmbito da tradução, a partir da noção de mestiçagem (Laplantine, 2002). Sendo possível então perceber que a tentativa de tornar o que se traduz unívoco e fluido, não marcado e equivalente, parte da mesma tentativa uniformizadora que procura apagar (ou minimizar o máximo possível) a alteridade. A partir dessa realização percebemos que, dentro de uma abordagem prática que, ao invés de encarar as problemáticas dos encontros linguísticos como oportunidades criativas de produzir algo a partir da tensão, ignora essas problemáticas encaixando essa atividade em uma estrutura rígida, a tradução está fadada à não criatividade e à negação de seu próprio ato.

(I Encontro de Tradução e Crítica do Exílio).

 
 







Bibliografia
DANTICAT, Edwidge, Krik? Krak ?. Nova York, Soho Press, 1994.
SAID, Edward, Orientalismo. Tradução de Rosaura Eichenberg, São Paulo, Companhia de Bolso, 2007.
SAID, Edward, Cultura e Imperialismo. Tradução de Denise Bottmann, São Paulo, Companhia de Bolso, 2011.
MESCHONNIC, Henri, Poética do Traduzir. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich, São Paulo, Perspectiva, 2010.
LAPLANTINE, François. NOUSS, Alexis. A Mestiçagem. Tradução de Ana Cristina Leonardo, Lisboa, Instituto Piaget, 2002.
MAINGUENEAU, Dominique, Discurso Literário. Tradução de A. Sobral, São Paulo, Contexto, 2006.


[1] Graduanda de Letras – Tradução/inglês no Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília. Bolsista iniciação científica sob a orientação de Alice Maria de Araújo Ferreira. Estudante-pesquisadora do grupo de Pesquisa Poéticas do Devir.

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